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Gustavo Franco: 'Neste ano se conseguiu desfazer erros e obter progressos'

Gustavo Franco: "Neste ano se conseguiu desfazer erros e obter progressos"

Ex-presidente do Banco Central e um dos arquitetos do Plano Real afirma que 2018 deverá ser um período volátil. Para ele, reformas deveriam ser mais rotineiras

Publicado em 4 de novembro de 2017 às 00:51

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A ligeira recuperação da economia neste ano deve colocar 2017 como o ponto final da mais grave crise da história do país. Além de consertar erros no campo econômico, o balanço é que o ano foi de alguns progressos como a emenda constitucional que estabelece o teto dos gastos públicos e a reforma trabalhista.

É o que avalia o economista e ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco, que foi um dos principais responsáveis pela elaboração do Plano Real, lançado em 1994 e que acabou com a hiperinflação. Para ele, apesar dos avanços obtidos neste ano em um governo de transição e com dificuldades políticas, 2018 deverá ser volátil na economia, em função das eleições.

Franco participa nesta segunda-feira (6) em Vitória da 5ª edição do Fórum Liberdade e Democracia, realizado pelo Instituto Líderes do Amanhã. A GAZETA conversou com o economista, que fez um balanço do ano e comentou sobre a necessidade das reformas estarem mais presentes nas rotinas legislativas. Confira:

O que este ano de 2017 representou para a economia do Brasil?

Foi uma transição importante, considerando a troca de governo. Foi uma transição de uma situação muito perigosa e difícil que o país estava, com a herança da administração Dilma Rousseff, que merece mais do que qualquer outra no passado o título de “herança maldita”. A ideia de desfazer as confusões, trapalhadas e desacertos deixados pelo governo petista em si já era uma missão difícil. Neste ano se conseguiu desfazer esses erros e ainda obter alguns progressos, sobretudo institucionais, com as reformas, que estão longe de ser de pouca importância, uma vez que o teto orçamentário e a reforma trabalhista são ganhos expressivos. Então, foi um ano bom e de muitos avanços na economia para uma administração de transição, com as dificuldades políticas que todos conhecem. Está bom, consideradas as limitações.

Quais foram os avanços na área econômica do ano passado para este ano?

A recuperação na economia tem sido lenta, mas é uma recuperação que coloca 2017 como o ano do fim da crise. E principalmente a reforma trabalhista e o teto de gastos públicos.

Embora alguns indicadores tenham melhorado, o desemprego ainda é alto no país, são quase 13 milhões de desempregados. O que falta para o Brasil voltar a abrir vagas?

O país está abrindo vagas. De forma lenta, sim, mas a taxa de desemprego vem caindo nas últimas leituras, que são mensais. Também na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) a cada mês tem aparecido uma melhora no mercado de trabalho, que é o último dos indicadores de atividade que reagem no momento da recuperação. Ele já está reagindo, já tem uns seis meses que ele está melhorando, mas vai demorar um bom tempo, nesse ritmo, para que o desemprego se reduza muito significativamente. Tá indo devagar, mas vamos esperar que isso melhore com o tempo.

As famílias já sentem que os efeitos da crise estão mais brandos, mas, as empresas ainda enfrentam muitas dificuldades para retomar os investimentos? Por que as empresas estão demorando mais a sair da crise?

Essas empresas, invariavelmente, têm a raiz dos seus problemas na liquidez e no crédito, áreas nas quais a situação de fato está um pouco apertada. A relação de bancos e empresas nos últimos tempos foi sacudida de diversas formas, portanto demora a reajustar, até que o crédito seja retomado de forma a deixar as empresas mais confortáveis para trabalhar.

Qual o caminho para alavancar a produtividade das empresas no pós-crise? A reforma trabalhista vai contribuir nesse sentido?

Sem dúvidas. A reforma trabalhista é a grande mudança nesse panorama de produtividade que ocorreu neste ano. Quando entrar em vigor, o que está perto de acontecer, nós vamos começar a sentir seus efeitos. Mas provavelmente ainda não será em toda a sua extensão, porque o mundo empresarial está diante dessa incerteza provocada pelos juízes trabalhistas, que se manifestaram mostrando resistência aos dispositivos da reforma, o que é um absurdo. Mas são coisas que acontecem no Brasil: sabe as leis que pegam e as que não pegam, não vão para frente? Vamos esperar que as reformas peguem, e isso vai depender da prática.

O que faltou ser feito neste ano para que os resultados no campo econômico fossem melhores?

As limitações políticas do mandato presidencial eram grandes, então é difícil dizer o que mais poderia ter sido feito, considerando a janela político-parlamentar que esteve disponível. Não faz sentido fantasiar sobre reformas constitucionais ambiciosas que não seriam possíveis nesse ambiente. Pode-se discutir aqui se a reforma da Previdência poderia ter sido enviada antes da emenda do teto, se seria melhor ou não. É difícil responder. Eu acho que teria sido melhor, mas é fácil falar em retrospecto.

Qual vai ser o peso do cenário político na economia daqui para frente?

Será grande, porém claramente teve um deslocamento de foco até agora que deve durar mais alguns meses, com as pessoas olhando para trás. Terá maior intensidade a partir de março, ao voltar do recesso parlamentar, as eleições vão dominar as considerações de todo mundo. Acho, inclusive, que isso já começa se fazer presente em Brasília. Tanto na área política como econômica, todos estão de olho no grid de largada. Algumas definições importantes vão acontecer nos próximos meses, com o posicionamento das candidaturas. A corrida já começou, e isso, é claro, contamina o ambiente da economia.

A agenda de reformas é apresentada pelo governo como uma necessidade para a retomada da economia. No entanto o senhor é um crítico desse modelo de se fazer reforma raramente, apenas quando a situação fica insustentável. Como deveria funcionar?

A ideia de grandes reformas ficou popular no Brasil logo depois da hiperinflação, com o Plano Real, e reproduziam um pouco uma sabedoria e experiência da Europa, quando caiu o muro de Berlim, onde em toda parte a ideia de reformas estava presente, e eram reformas de verdades, com coisas muito profundas. As economias desses países estavam deixando o comunismo, e para nós deixar a inflação também era uma mudança muito importante. Uma vez que você passou esse momento de mudança, os temas sobre os quais a gente fica permanentemente falando de reformas, são temas que deveriam fazer parte de uma rotina legislativa de aperfeiçoamento, porque não são ‘reformas’, mas parte do cotidiano da vida parlamentar. Assim como as empresas, todos os dias de manhã os seus dirigentes estão pensando em como fazer o que sempre fizeram de uma forma melhor, também os governos e os parlamentos devem estar permanentemente buscando maneiras de fazer o país ficar mais próximo e mais dinâmico. Não tem, na minha avaliação, balas de prata ou grandes alterações. Acho que deveríamos nos acostumar a uma ritmo de mudança legislativa mais crônico e rotineiro, sem necessariamente esses momentos espetaculares. Com isso a gente retira um tanto de peso da ideia de se fazer reformas.

Quais os caminhos para solucionar a deficiência das contas públicas? O que precisa ser feito de mais urgente?

São muitas coisas. Nós temos um problema com a dívida pública interna, que é muito grande. Por isso precisamos não apenas recuperar o superávit primário, como precisamos talvez de algum movimento mais agressivo de reforma patrimonial, incluindo privatizações, venda de ativos, venda de créditos, enfim, o espaço está aberto para coisas criativas. Do ponto de vista de recuperar o superávit primário, com a geração de caixa para o governo, o desafio é a redução de despesas, e acho que aí a reforma da Previdência é importante, mas é importante também, no meu modo de ver, se repensar muito coisa no plano da administração pública, onde há muitos anos se prevalece uma noção muito generosa de direitos adquiridos do funcionalismo. O sujeito faz um concurso público e parece que já adquiriu os direitos da aposentadoria que vai ter quando se aposentar. E não é bem assim. Chegamos num momento que a sociedade paga impostos demais e tem despesas demais em função de alguns ‘direitos’ que na verdade não são direitos, são privilégios que precisam ser reformados para poder haver uma redução de despesa de pessoal na área pública federal. Sem isso não dá pra falar de responsabilidade fiscal.

No campo econômico, o que esperar de 2018?

Será um ano volátil porque as expectativas vão estar todas orientadas para o desfecho da eleição. Portanto, as falas dos candidatos, as ideias e suas movimentações nas pesquisas vão ser os principais motivadores do andamento dos mercados. Então vai ser bem volátil. Hoje ainda dá pra se esperar alguma coisa boa porque existem consensos sobre as direções da economia que hoje perpassam diferentes candidatos, e mesmo um vento bom de um lado liberal pró-mercado, com muitas candidaturas abraçando abertamente essa agenda. Os mercados estão gostando disso, o mundo empresarial está gostando, então pode ser uma experiência boa, essa eleição que está caminhando nessa direção.

Diante da ligeira melhora do cenário econômico, as eleições do ano que vem representam uma ameaça à estabilidade, pelo que se tem visto até aqui? Quais outros perigos acendem o sinal de alerta?

É um copo meio cheio e meio vazio. As pessoas estão olhando para as pesquisas e vendo nomes radicais, para a direita e para a esquerda, e preocupados com isso. Eu prefiro ver nas pesquisas o fato que a maioria do eleitorado ainda procura uma candidatura de centro, distante desses extremos. É natural que os extremos apareçam com destaque nas pesquisas muito cedo nas eleições porque são personagens conhecidos e que ganham sua popularidade a partir de redes sociais e sua militância. Na hora que a competição eleitoral fica mais densa, a opinião pública começa a aparecer de uma forma mais concreta e faz com que esses extremos fiquem mais diluídos e que a procura por uma candidatura mais moderada, de centro, seja a tônica dessa campanha, na minha visão. É bom que as pessoas fiquem assustadas com os extremos agora para procurarem com cuidado pelo centro e pela moderação onde está a melhor alternativa.

Fórum liberdade e democracia

Quando: segunda (6), a partir das 9h30.

Onde: Arena Shopping Vitória, na Enseada do Suá.

Palestrantes: Paulo Hartung, Ilan Goldfajn, Gustavo Franco, Ricardo Ferraço, Bruno Funchal, Antônio Batista Junior, Marco Aurélio Borges, Juliano Seabra, Mateus Bandeira, Sergio Aboudib, dentre outros.

Informações: www.forumvitoria.com.br.

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