É publicitário

Para onde vai a humanidade que faz uma imagem e a deleta sem registrá-la?

O fato de não revelarmos mais as fotos revela quem somos: humanos do descartável. Excluir a realidade é muito mais prazeroso do que revelar para comunicá-la

Publicado em 07/11/2019 às 04h00
Atualizado em 07/11/2019 às 04h01
Fotógrafo Sebastião Salgado. Crédito: Divulgação
Fotógrafo Sebastião Salgado. Crédito: Divulgação

Quantas imagens você faz por dia? Imagem do prato, imagem das caretas, imagem da criança sapecando... Enfim, já parou pra pensar nisso? O que você faz? Posta nos stories, ou no feed da sua rede social e deleta. O que isso significa? Os temas da comunicação palpitam. Aliás, gritam no interior de um publicitário milênio como eu. Olho para essa bolha chamada mundo, e me pego pensando. Dizem que todo bom pensador não é só aquele que pensa muito, mas aquele muito faz pensar. Então, eis-me aqui!

O tema não nasce só de uma inquietação interior, mas de um ouvido curioso. Essa semana, à medida que trabalhava com algumas imagens publicitárias, me ative a acompanhar Sebastião Salgado no “Conversas com Bial”. Para mim, apaixonado e imerso no universo da comunicação, um ícone da reportagem fotográfica, um apresso realista do preto e branco. Sebastião conta que, no mundo atual, o povo faz muita imagem e pouca fotografia. É uma nova linguagem da comunicação.

A divergência da imagem (como menciona Sebastião Salgado) para a fotografia já responde a pergunta que norteia este artigo. Imagem é aquilo que fazemos para registrar isso ou aquilo, comunicar para alguém ou alguéns, e pronto. A fotografia não. Ela é puramente um olhar que capta com sensibilidade, ela exige viver aquilo que por vezes fazemos questão de fugir, da realidade.

Salgado recorda, no meio da sua entrevista, que ele passou 33 dias na Mina de Serra Pelada e, num determinado momento, sempre guiado pelo desejo de ver o que outros olhares não veem, se aproximou de uma cratera e viu algo que fez arrepiar todos os pelos do seu corpo. Quando ele viu a cena (brasileiros numerosos como formigas escavando), pensou que estava registrando um pedaço da história passada na sua frente. Ele até chega a dizer que os seus olhos contemplavam naquele momento a construção das pirâmides do Egito, ou as minas do Rei Salomão, ou ainda a representação da nossa história. Daí nasce a sua fotografia “Vista geral em 1986 da mina de Serra Pelada, onde trabalharam 50.000 mineiros”.

Vejam, antes de registrar, ele participa e vive a realidade, o dia a dia, se relaciona com as pessoas ou, se preferirem, ele “sai da realidade e abstração para transformar a realidade em realidade mais forte”. O que sobra em Sebastião Salgado falta em nós: o desejo de olhar a realidade. Registrar a realidade com suas expressões, suas emoções, suas formas. Então, fazer imagem é diferente de fazer fotografia. O celular registra a imagem e registra a fotografia, todavia, o que faz a fotografia é o olhar. A culpa não é do celular, é do olhar.

Caminhamos rumo a uma sociedade sem memória, sem recordação, e logo a humanidade em si vai se tornando incapaz e impotente de comunicar a história. O fato de não revelarmos mais as fotos revela quem somos: humanos do descartável. Excluir a realidade é muito mais prazeroso do que revelar para comunicá-la.

Para onde estamos dirigindo nosso olhar? O que eles estão fotografando, ou só estão fazendo imagens?

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