Ativista e Empreendedora Social, Priscila Gama coordena 12 Projetos de Ação Afirmativa e Impacto Social e é presidente do Instituto Das Pretas.Org e detentora de um ego leonino

Criar, educar ou preparar: Filhos pretos e amigos anti-racistas. Como é que a gente faz?

Empoderamento é de dentro para fora e não é moeda de troca, é planta com raiz

Publicado em 20/01/2020 às 17h55
Atualizado em 20/01/2020 às 18h21
Família Negra. Crédito: Pinetrest
Família Negra. Crédito: Pinetrest

Tenho pensado cada vez mais em como fazer a conexão entre a preparação dos meus dois filhos para o mundo e o exercício de melhorar o mundo para que eles consigam exercer o direito de viver em plenitude suas próprias vidas. Falo isso relacionado ao fato de serem dois meninos negros, mas sobretudo na perspectiva de uma mãe que quer que eles experienciem vivências não violentas, sem rótulos ou qualquer padrão que seja limitador para suas escolhas.

E é sério quando eu falo isso. E falo sobre o meu papel de mãe sobre ensinar meus filhos diálogos que lhes dê fundamento para que eles ensinem seus amigos o que, infelizmente, via de regra, os pais não tem a menor intensão de ensinar – justamente porque foram criados sobre a educação racista, machista e violentadora que a gente tenta ressignificar.

Eu crio meus filhos para serem negros orgulhosos de si e cientes de sua potência. Mas eu sei que isso é pouco se a gente não fizer um intensivão anti-racista pra que as crianças de hoje não sejam os imbecis do futuro.

E o que fazer?

Pois é... Dia desses eu andava com meu filho mais velho no shopping de mãos dadas e observei que uma menina não-negra ficou interessada nas tranças que usava. Os olhos dela brilhavam!!! Claro, as tranças estavam incríveis mesmo e a cor também era bem bonita. O corpo da menina todo se manifestou e ela falou com a sua vozinha infantil: Você tem cabelo de princesa! Deixa eu ver?

Olha, a despeito de tudo que possa vir a partir daqui, o meu coração me mandou deixar! E sim, eu permiti que aquela criança que me viu sob a representatividade de uma realeza que é de fato a nossa ancestralidade, tocasse as minhas tranças. Mas na hora a mãe dela disse em alto tom: Tira a mão daí! Deve estra sujo. 

Olha. Eu vou te dar uma pausa pra você respirar e refletir sobre isso, ok?!

Agora me responda rapidamente as questões abaixo:

1) Por que a mãe tinha tanta certeza que minhas tranças estavam sujas?

2) Por que a mãe se sentiu confortável em me agredir em voz alta?

3) Por que a mãe se sentiu protetora ao evitar o contato da filha dela comigo?

Bom, é claro que eu respondi essa mãe surtada no tom de voz da minha realeza porque a Beyoncé que existe em mim não gasta um decibéis de raiva pra dialogar com racista. Mas meu filho, que é um príncipe de Wakanda, disse pra criança e sua mãe: "Nossa que triste pra você. Sua mãe é racista. Uma pena que nem todas as crianças tenham uma mãe rainha como a minha”.

Como você deve estar imaginando, eu fiquei orgulhosa do meu pretinho. Mas fiquei reflexiva também sobre essa responsabilidade coletiva de garantir esse lugar de voz e vez aos nossos filhos pra esses “eventos”! Porque veja, a mãe racista não conseguiu reagir à certeza sobre mim - minha ancestralidade e beleza preta, que meu filho tem... Ficou paralisada enquanto a sua filha chorava, muito possivelmente de vergonha e tristeza.

E assim eu termino a coluna de hoje. Provando que empoderamento é de dentro para fora e não é moeda de troca, é planta com raiz.

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