É professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante da Universidade de Yale. Escreve às segundas

Previsões sempre são vistas com muita desconfiança, mas elas são inevitáveis

As análises do cientista social só são honestas quando seus pressupostos são explicitados e sua metodologia é clara. O trabalho progrediu muito, mas o resultado é ainda frustrante

Publicado em 06/01/2020 às 04h00
Atualizado em 06/01/2020 às 04h02
Analista faz previsões para 2020. Crédito: Shutterstock
Analista faz previsões para 2020. Crédito: Shutterstock

O métier do cientista social equivale em larga medida ao de comentadores que tentam prever o resultado de concursos de beleza. A analogia não é minha –roubo-a de John Maynard Keynes (1886-1946), que a utilizou na sua Teoria Geral (1936).

A estória de Keynes refere-se a um concurso organizado por um jornal hipotético cujos participantes deveriam escolher –com base nas fotografias de centenas de candidato(a)s– os seis mais atraentes. Quem acertasse ganhava prêmios.

Há aqui duas lições. A primeira é reconhecer a distinção entre a preferência do analista e a dos demais, cuja agregação determinará o que irá acontecer para além daquela. Apostar no que desejamos que aconteça é fonte permanente de autoengano. Mas seu inverso –apresentar conjeturas falsas deliberadamente como previsões–, por seus efeitos políticos, é ainda mais danoso, porque compromete a integridade do métier do analista.

A segunda lição é que não se trata apenas da opinião pura e simples dos demais participantes, mas da percepção de que têm sobre a avaliação que a média das pessoas faz (as quais estão sujeitas a vieses). (Há aqui o risco de regressão infinita, mas há soluções técnicas para o problema).

Keynes usa a analogia para entender a bolsa de valores: o que um indivíduo pensa sobre o valor de uma ação não importa, mas, sim, o que os demais pensam a respeito; ou, mais importante, que previsões fazem sobre a avaliação média do mercado sobre a ação.

Na política observamos a mesma coisa; a intuição a respeito remonta a Maquiavel. Nas eleições de 2018, por exemplo, o voto útil expressou um movimento para antecipar a avaliação que os demais atores fariam.

A questão é complexa, porque há dois aspectos em jogo: a percepção das pessoas e uma conjetura ou modelo sobre o que acontece coletivamente devido ao fato de que elas pensam da forma que pensam (aí incluído vieses). O resultado agregado pode inclusive gerar efeitos perversos. O concurso de beleza pode até resultar paradoxalmente na escolha do mais medonho.

Adivinhar o futuro foi sempre visto com muita desconfiança. De fato, fazer previsões oscila entre húbris e charlatanismo, mas elas são inevitáveis e devem ser vistas como hipóteses fundamentadas.

Não é à toa que Dante, na "Divina Comédia", colocou os adivinhadores no Oitavo Círculo do Inferno, com a cabeça torcida, voltada para as costas, com as lágrimas molhando as nádegas, de maneira que não conseguem olhar para a frente.

A previsão só é honesta quando seus pressupostos são explicitados e sua metodologia é clara. As ciências sociais progrediram muito, mas o resultado é ainda frustrante. Provavelmente sempre o será.

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