Mariana Reis é administradora de empresas e educadora física. É pós-graduada em Gestão Estratégica com Pessoas e em Prescrição do Exercício Físico para Saúde. Atua como consultora em acessibilidade e gestora na construção e efetivação das políticas públicas para a pessoa com deficiência em Vitória

Fé na acessibilidade

Achei geniais as soluções criadas, como a vela virtual e a caravana, que percorreu os bairros da Grande Vitória com a nossa santa recebendo o carinho de seus fiéis com luzes que piscavam das casas dos capixabas.

Publicado em 21/04/2020 às 10h32
Atualizado em 21/04/2020 às 10h32
Imagens do entardecer no Convento da Penha. As fotos retratam a beleza do local vazio no dia do encerramento da Festa da Penha.
Imagens do entardecer no Convento da Penha. As fotos retratam a beleza do local vazio no dia do encerramento da Festa da Penha. Crédito: Fernando Madeira

Pela primeira vez, a Festa da Penha aconteceu de maneira diferente e mais silenciosa. Diante da pandemia em que vivemos, a santa precisou descer do altar e sair às ruas para todos que tivessem acesso a ela e pudessem manifestar da janela sua devoção. Para nós cadeirantes, um momento que nos colocou em pé de igualdade com todos outros que esperam a data para honrar a padroeira do nosso Estado.

A esse ato de boa vontade, em que houve uma mobilização de várias pessoas para tornar virtual o que sempre foi marcado pela reunião de muita gente, tomei a liberdade de chamar de Festa Acessível da Penha. Achei geniais as soluções criadas, como a vela virtual e a caravana, que percorreu os bairros da Grande Vitória com a nossa santa recebendo o carinho de  seus fiéis com luzes que piscavam das casas dos capixabas.

A terceira maior manifestação religiosa do Brasil

Em 2020, a Festa da Penha comemora 450 anos. E um dos momentos de grande comoção durante a festa acontece nas romarias. Mas somente em 2006 as pessoas com deficiência passaram a compor esse grupo de romeiros, que além da confiança na virgem, colocam em prática sentimentos e demandas de cidadania. Ainda que o Frei Pedro Palácios em 1558 tenha dado início a essa grande festa sem ter a acessibilidade como uma importante semente para que todos pudessem participar, hoje, em pleno século XXI, ainda não é possível uma pessoa com deficiência acessar e conhecer o imponente patrimônio histórico do Espírito Santo.

No momento, só com técnicas de rapel e escalada

Eliminar as barreiras físicas e sociais dos espaços, edificações e serviços destinados à fruição do patrimônio cultural é medida indispensável para que as pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida possam ser incluídas no processo de conhecimento de nossa cultura e história. A promoção de políticas de acessibilidade não é uma possibilidade e sim um direito de todos.

A questão não é ‘se’ fizer e sim ‘como’ fazer”. Hoje toda edificação tombada precisa de adequações para o uso e isso não inclui apenas a acessibilidade, mas também banheiros, piso adequado e sinalização. Um dos motivos pelos quais o acesso a bens culturais ainda é dificultado para pessoas com deficiência é a falta de informação. Existe uma postura de achar que o tombamento impede qualquer tipo de transformação, que o lugar perderá sua identidade.

Nadamos, nadamos e queremos morrer na Prainha

Alguns anos atrás, estive em um debate importante junto com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) sobre o projeto de acessibilidade do Convento. Foi animador e esperançoso. Mas acho que o movimento e a participação não foram fortes o suficiente para fazer acontecer. Quando as políticas públicas de reordenação do meio ambiente, urbano ou outros são direcionadas a propiciar mobilidade e acesso às pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida, temos que ter em mente o universo da diversidade que o estudo requer, pois do contrário estaremos fadados a acessibiizar os meios somente a usuários de cadeira de rodas, esquecendo-se das pessoas idosas, obesas, com deficiência visual, surdas ou com deficiência intelectual. Acessibilidade é uma palavra ampla que precisa contemplar todo e qualquer tipo de deficiência.

Para cada desafio, a vontade de superar

É difícil falar do Espírito Santo sem lembrar-se de um dos maiores e mais antigos santuários do Estado. Lá no alto de uma montanha de pedra, há 450 anos o Convento de Nossa Senhora da Penha se mistura à história do povo capixaba e resiste aos tempos e aos ventos de Vitória.

Quando os capixabas se viram ameaçados de ficar sem uma das principais manifestações de sua cultura, a boa vontade e as boas ideias, aliadas à tecnologia, permitiram que a festa se tornasse acessível. Quem sabe essa pandemia universal, que nos fragiliza como seres humanos, reacenda o debate sobre o acesso pleno ao Convento da Penha. Na minha intenção está a vontade de que, nas próximas festas, toda pessoa com deficiência possa chegar ao Convento para renovar sua fé e contemplar lá do alto a nossa cidade e o que nos une. Assim seja.

A Gazeta integra o

Saiba mais

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.