O governo Bolsonaro é marcado fundamentalmente pelo fato de se assentar sobre a maioria negativa que se forjou na disputa eleitoral e que explica seus contornos gerais ao completar um ano. Trata-se de governo minoritário, e nisso não há qualquer singularidade.
A questão chave é se o governo se enxerga como minoritário, ou se vê como objeto de uma delegação plebiscitária, inexistente, por parte de uma maioria silenciosa. Os sinais são ambíguos, mas os recuos e derrotas ocorridos – muito numerosos para serem listados aqui– são inconsistentes com o cenário de um conflito desestabilizador entre um presidente cesarista e Parlamento. E não se trata apenas de recuos estratégicos –como na escolha do filho para a embaixada nos EUA – mas de derrotas na arena parlamentar (MPs ou proposições legislativas) e na judiciária.
A maioria negativa – forjada por rejeição ao rival – resultou na escolha de um outsider, daí o comportamento amadorístico, para não dizer escatológico, de membros do governo. A retórica antissistema e antipartido vai também na direção contrária à lógica da formação de maiorias amplas: a primeira vítima foi o próprio partido presidencial.
Mas o fato de não contar com uma maioria positiva significa que o governo não tem um mandato global claro. Maiorias são forjadas de forma ad hoc – a aprovação de reformas na área econômica é exemplo.
Mas o governo não conta com apoio majoritário em áreas como educação, cultura, meio ambiente ou política externa: há ampla rejeição pública dessas agendas setoriais capturadas por setores francamente minoritários e frequentemente extravagantes. É neles que se concentra a cacofonia. Há aqui uma certa inércia devido à percepção exagerada quanto ao seu papel no resultado das eleições, quando este se explica pela arquitetura da escolha: binária e polarizada.
O primeiro ano de governo é marcado assim por um processo geral de contenção do Executivo pelas instituições de "checks and balances", dentre as quais incluem o Congresso e o Judiciário. Contrariando expectativas, o ímpeto das mesmas não arrefeceu.
O iliberalismo à esquerda e à direita não enxerga virtudes nestas instituições nem na barganha parlamentar; elas são criticadas como fonte de imobilismo. Mas a democracia necessariamente implica um certo experimentalismo, recuos e contenção. Como afirmou Robert Dahl, "a mudança incremental é o método característico das democracias. A liquidação dos Kulaks e o Grande Salto Adiante não poderiam ser conduzidos por governos parlamentares".
O saldo líquido até aqui é que há muito ruído, mas não paralisia decisória, o fator fundamental de instabilidade.
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