Cronista

É maldade batizar o ovo da roça de caipira e não de sertanejo

Se você, assim como eu, veio do interior e cresceu numa casa com quintal, provavelmente saberá o que é deitar uma galinha. Mas, se é nascido e criado em apartamento, vai logo pensar besteira

Publicado em 15/02/2020 às 10h00
Atualizado em 15/02/2020 às 10h00
Já no primeiro dia de vida, os pintinhos partem pra luta renhida. Crédito: Amarildo
Já no primeiro dia de vida, os pintinhos partem pra luta renhida. Crédito: Amarildo

Você sabe o que é deitar uma galinha? Se você, assim como eu, veio do interior e cresceu numa casa com quintal, provavelmente saberá do que estou falando. Mas, se é nascido e criado em apartamento, vai logo pensar besteira. Vamos então à aula, com a devida vênia dos criadores profissionais.

Num terreiro sem cercas ou mesmo num grande quintal arborizado, quem cria galinhas - mais dia, menos dia - vai descobrir que uma delas está choca.

Isso, irritada, febril e querendo ter filhos. Que nascerão vinte e um dias depois da gente deitá-la num ninho com uma dúzia de ovos galados. Isto é, fertilizados pelo infiel galo do terreiro.

Já no primeiro dia de vida, os pintinhos partem pra luta renhida. Correm o dia todo atrás da mãe, pelo quintal afora, bicando pequenos insetos e jovens minhocas distraídas. Ela é toda alegria, só ciscando e chamando a criançada para comer.

Outro detalhe da maior importância: presa à cerca do galinheiro, sempre existia uma cruz feita de cabo de vassoura, onde eram encaixadas três garrafas vazias. Para evitar o mau olhado. Juro. A vizinhança debochava, mas acabava se rendendo e copiando o altar.

OS PERRENGUES DAS AVES

No quintal da minha casa, desde o nascimento dos pintinhos, botava-se um dente de alho, muito bem picado, no bebedouro. Assim, evitava-se a gripe e o gogo, esses perrengues das aves. E eles gostavam muito. Em menos de uma semana, os pintinhos já mergulhavam seus bicos e “pescavam” os pedacinhos de alho com grande satisfação. Raspavam o prato.

Não existia, de nossa parte, nenhum preconceito em relação à turma do galinheiro. Nem de raça e nem de cor. Havia mestiças, carijós, New Hampshire, Legorne. Estas eram as melhores poedeiras. E o rango delas era totalmente natural: milho e o refugo das verduras e legumes da horta.

Mas, como se sabe, garantido mesmo só o amor de mãe. Então, quando havia algum vacilo na fé e uma ou outra penosa aparecia com gogo, o que fazer? As especialidades das benzedeiras eram criança manhosa, pé torcido e mau olhado. Seus poderes não chegavam ao alpendre do gogo. Mas a solução estava ali mesmo no quintal. Umas folhas de macaé – bom para os azedumes do fígado humano – espremidas num cadinho de água e derramado goela abaixo da enferma. Era pá, pou!

Este meu Globo Rural cocoricó não acontece por absoluta falta de assunto. Muito pelo contrário. Primeiro é pra mostrar que manjo do assunto, segundo pra revelar um espanto. Até então só existiam dois tipos de ovos à venda: o caipira e os de granja.

Parênteses: parece-me maldade e desprezo batizar o ovo da roça de caipira e não de sertanejo. Isso não se faz. Mas, da noite para o dia, surgiram nos supermercados ovos “tipo” caipira. Tá escrito na embalagem. Mistério... mas como são comercializados em caixas de dez unidades, provavelmente estaremos comprando cinco duplas sertanejas. Gostemos ou não do gênero.

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