Comoção coletiva e ideologias políticas: uma combinação ideal para a ilusão.
Na última quarta-feira, 14, três crimes bárbaros aconteceram no Rio de Janeiro: o da vereadora do PSOL, Marielle Franco, de seu motorista, Anderson Gomes, e do empresário Cláudio Henrique Costa.
Talvez você não tenha ouvido falar de Cláudio, vítima de latrocínio, assassinado na frente do filho de cinco anos. Isso porque nenhuma manchete estampou a criança correndo pela rua gritando “mataram meu pai”.
No país de 60 mil assassinatos por ano, 164 pessoas serão mortas hoje; seis homicídios acontecerão antes de você terminar de ler este jornal; talvez um deles seja o de um PM. Mas nenhuma comoção haverá neste domingo.
Não haverá passeata, velório na Câmara, carta da ONU, discurso de artistas, nem hashtag. Não haverá nada, como não houve na morte de 138 policiais no Rio em 2017, estando 70% deles durante a folga, a maioria com a família.
A comoção pela morte, apontou Durkheim, é puramente social. Não sofremos pelo ser humano, mas por aquilo que ele representa; não é a tragédia do semelhante, mas a perda de seu símbolo. Nesse sentido, é triste ver a instrumentalização política feita com a morte de Marielle. Instantes após o crime, os peritos da internet já tinham conclusões: Marielle foi morta por ser mulher, negra, favelada, militante e de esquerda. E os culpados são óbvios: a PM, a direita, os “golpistas”, o exército, o machismo e o racismo.
Enquanto forças federais prometem desvendar o crime em prazo recorde, apenas 5% dos inquéritos de homicídio no Brasil são solucionados. Sobre os 95% obscuros não se ouve uma música de Caetano Veloso, uma campanha de globais, um editorial jornalístico. Vê-se que, no Brasil, até a morte virou instrumento ideológico.
Se a dor pela morte de Marielle é humanitária, por que o silêncio diário? Se a preocupação é pelos direitos humanos, por que Cláudio ou os PMs não são motivos de protesto? A resposta é simples: aqui, as lágrimas são seletivas, ideias valem mais que vidas e a nata intelectual só reage quando lhe dói o calo.
Para alguns, luto coletivo. Para outros, estatística. E, quase sempre, silêncio.
*O autor é graduado em História e Filosofia, e pós-graduado em Sociologia
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