A proposta do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) de dar imunidade a policiais militares que matem em serviço deve provocar o primeiro embate entre o ex-capitão e a Procuradoria-Geral da República (PGR). Se for eleito, o presidenciável deve trabalhar para aprovação de um projeto que ele mesmo apresentou na Câmara, no ano passado, aplicando automaticamente o princípio da legítima defesa no termo técnico, "excludente de ilicitude" , sem a investigação das ocorrências. Para integrantes da PGR, um crime só pode ser declarado como existente ou inexistente após ser investigado.
BANCADA MOBILIZADA
A nova bancada do PSL, de 52 integrantes, que assume em fevereiro, se mobiliza para que a proposta tenha prioridade nos cem primeiros dias de um eventual governo de Bolsonaro. Na avaliação do grupo, o assunto foi fundamental na campanha, ajudou a eleger deputados e será decisivo para consolidar apoio popular.
Em junho deste ano, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, se manifestou num processo no Supremo Tribunal Federal (STF) defendendo que os Tribunais do Júri possam julgar militares que cometem crimes dolosos contra a vida. Os júris atuam após investigação das polícias civis e militares e do MP.
"A gente é contra. A excludente de ilicitude já existe, mas depende de prova. Qualquer um pode dizer que é legítima defesa. Mas, para comprovar, é preciso ter inquérito, investigação. Ao contrário do que advogam, isso não é uma proteção aos PMs. Com a investigação, pode-se chegar à conclusão de que foi legítima defesa. O contrário disso gera desconfiança, e não apoio nas comunidades onde policiais atuam", disse ao GLOBO nesta terça-feira a subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen, coordenadora da Câmara Criminal.
O presidenciável e o filho que também é deputado federal, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), apresentaram três propostas que tratam do tema. A última, em 2017, prevê alterações da legislação para que PMs fiquem sem punição e não sejam presos quando houver homicídios durante a atividade policial. Pelo projeto, será prontamente aplicada a excludente de ilicitude prevista nos casos de legítima defesa, mesmo quando as vítimas forem terceiros.
Para Bolsonaro, policiais não podem ser processados pelo combate à criminalidade.
A legítima defesa está prevista no Código Penal. Investigações da Polícia Civil e da própria PM costumam determinar, no entanto, se as mortes provocadas por policiais se deram num contexto de defesa. O projeto dos Bolsonaro só prevê a investigação quando for flagrante que não houve legítima defesa.
Em novembro passado, o plenário da Câmara aprovou urgência para a tramitação da proposta de Bolsonaro, o que significa que o projeto pode ser pautado para análise diretamente pelos deputados em plenário, sem passar por comissões. Basta que o presidente da Câmara paute. A aprovação depende de maioria simples: se 300 deputados estão presentes e 151 votam a favor, a mudança na lei é aprovada na Câmara, dependendo ainda do Senado. (Colaborou: Jussara Soares)
ENTENDA
COMO É HOJE
O Código Penal prevê casos que asseguram imunidade ao policial que mata em serviço. Um dispositivo estabelece que não há crime quando o fato é praticado em legítima defesa. A legítima defesa é praticada por quem, conforme o mesmo código, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente.
Já o Código de Processo Penal, de 1941, prevê que, em caso de resistência à prisão, o autor poderá usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas.
Uma investigação a cargo da Justiça comum, diante de mortes em confrontos com PMs, define se houve legítima defesa ou não no episódio.
COMO PODE FICAR
Um projeto de lei de 2014, de autoria de Jair Bolsonaro, retira a expressão uso moderado de meios necessários para qualificar a legítima defesa. Além disso, o agressor deixaria automaticamente de responder por um ato culposo, quando não há intenção de agredir.
Em 2015, Eduardo Bolsonaro apresentou projeto de lei que exclui prisão em flagrante de PMs que matarem em serviço, mas prevê investigação por meio de um inquérito policial.
Em 2017, Jair Bolsonaro propôs projeto de lei que amplia as condições para não punir policiais. Pelo texto, em caso de morte de quem resistir a uma ação policial e até mesmo de terceiros, será prontamente aplicada a excludente de ilicitude prevista nos casos de legítima defesa.
VISÃO DO ESPECIALISTA 1
POR PAULO RANGEL*
O inimigo da polícia é o sistema judicial
"Já temos hoje a legítima defesa, mas se for feita uma alteração mais específica para os policiais é melhor ainda. Toda reforma no Código Penal ou no Código de Processo Penal que vise modernizar a legislação é sempre bem-vinda.
(Os pontos propostos por Bolsonaro) podem ser contemplados em uma revisão na medida em que os policiais vão encontrar na legislação uma maior proteção. O grande inimigo dos policiais hoje não é o bandido que está nas ruas, mas sim o sistema judicial. Ele atua, mata um bandido e vai parar no banco dos réus. Isso é inadmissível. Vai para as ruas e defende a sociedade. Quando volta para casa, chega junto com o oficial de Justiça e um mandado de citação".
*Desembargador do TJ-RJ e professor da Uerj
VISÃO DO ESPECIALISTA 2
POR MICHEL MISSE*
Bolsonaro quer dar legalidade às práticas que muitos já adotam
O que Bolsonaro está querendo é dar legalidade às práticas que muitos policiais já adotam. São raríssimos esses casos de policiais punidos por mortes cometidas em serviço. Essa mudança seria péssima, porque o que está sendo feito na prática hoje não é objeto de averiguação e, se necessário, de punição. Todas as polícias do mundo têm protocolos que definem condições para o uso da força, que não pode ser exercido de forma completamente arbitrária. É claro que o policial tem o direito de decidir, está na situação para dizer o montante de força que é necessário utilizar. Uma outra falácia é essa do aumento da morte de policiais. Tanto agora, quanto no passado elas ocorrem na maior parte das vezes fora de serviço, não durante as operações policiais.
*Sociólogo e professor da UFRJ
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