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Para juristas, ideia de Witzel não tem base legal

Para juristas, ideia de Witzel não tem base legal

Os mais incisivos chegam a afirmar que a medida significaria, na prática, a instituição da pena de morte

Publicado em 8 de novembro de 2018 às 11:01

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(Pixabay)

Apesar do consenso de que um bandido armado representa um risco, a maioria dos especialistas consultados pelo GLOBO afirma que o abate de um criminoso pelo fato de ele estar com um fuzil nas mãos - como defende o governador eleito Wilson Witzel (PSC) - não tem amparo legal e aumentaria ainda mais a violência no estado. Professor de Direito Constitucional da Uerj, Daniel Sarmento afirma que a medida viola o direito à vida estabelecido na Constituição. Ele ressalta que a expressão "abate" costuma ser aplicada a animais. Para ele, seria um estímulo a homicídios e exporia a vida da população, especialmente em comunidades. Poderia incitar ainda um aumento de casos de simulação de autos de resistência.

"Execuções sumárias já ocorrem no Brasil e são reprovadas por especialistas e organismos internacionais. A medida daria o recado de que esses assassinatos são legítimos e que o governo os aplaude", diz Sarmento.

Os mais incisivos chegam a afirmar que a medida significaria, na prática, a instituição da pena de morte. O jurista Leonardo Pantaleão exemplifica que, mesmo numa rua deserta, uma pessoa com fuzil pratica um crime, mas ela tem que ser abordada ou presa. Apenas uma perspectiva de resistência ou um ataque aos agentes justifica a legítima defesa:

"A resposta poderia até culminar com a morte do suspeito. Mas matá-lo pelas costas, porque ele está com um fuzil, estabeleceria a pena de morte no país. Seriam necessárias mudanças nas leis atuais, inclusive na esfera constitucional. Hoje, o policial que atira e quem dá a ordem para fazê-lo poderiam ser responsabilizados criminalmente pelo ato."

Pela lei em vigor, não há crime se o agente atua em legítima defesa. A prerrogativa está no Artigo 25 do Código Penal Brasileiro e cabe a "quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem". Para Jorge Câmara, professor de Direito Penal da Uerj, a definição de legítima defesa é uma linha tênue. O policial, diz ele, não precisa aguardar que o bandido atire. Porém é necessária uma ação por parte do criminoso que, efetivamente, ponha alguém em perigo:

"Ele pode estar se preparando para apontar uma arma ou ter desobedecido a uma ordem para se desarmar. É diferente de um sniper de tocaia, à distância, acertar alguém sentado com um fuzil no colo. Essa é uma ação ilegal."

O desembargador Paulo Rangel, do Tribunal de Justiça do Rio, diverge. Para ele, o que Witzel propõe é plausível juridicamente:

"Em qualquer lugar do mundo, se um bandido está com um fuzil, ele é abatido na hora. O governador usa uma expressão diferente. Não é lei do abate. É o exercício da legítima defesa. Não podemos considerar que um homem com um fuzil não seja uma ameaça iminente. Quando Witzel fala no uso de snipers, ele ainda está sendo cauteloso."

Policiais virariam alvo

Presidente do Instituto de Criminalística e Ciências Policiais da América Latina, José Ricardo Bandeira, no entanto, faz coro com os outros especialistas. Para ele, as mortes não reduziriam a violência no Rio. Pelo contrário, acirrariam um contra-ataque do tráfico:

"Os policiais também poderiam passar a ser mais alvejados, de longe."

Na polícia, também há resistência.

"O investimento na investigação seria mais efetivo. As delegacias enfrentam uma enorme crise. A PM também não tem infraestrutura", afirma Fernando Bandeira, presidente do Sindicato dos Policiais Civis do Rio.

Já Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, aponta outra barreira à medida. Para ele, embora ex-juiz federal, o governador, num cargo do Executivo, estaria invadindo a esfera do Judiciário ao determinar que os policiais atirem para matar:

"Se ele tem certeza de que existe base para dar esse comando de matar aos policiais, precisa baixar um decreto para isso. Provavelmente, será questionado. E quem vai dizer se é legítimo ou não é o Ministério Público ou o Judiciário."

Especialista em Direito Penal, Rogério Cury destaca outro ponto - para ele, essa medida precisa ser definida em âmbito federal:

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"Se a legítima defesa presumida fosse instituída, quase que se admitiria a pena de morte antecipada. Seriam normas de um estado de exceção. Significaria ainda o reconhecimento da incapacidade de atender às necessidades do país."

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