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Orçamento brasileiro para missões de paz ao redor do mundo cai 70%

Orçamento brasileiro para missões de paz ao redor do mundo cai 70%

O Ministério da Defesa afirma que a redução se deve à saída das tropas da Unifil (Força Interina das Nações Unidas para o Líbano), que se dará em dezembro

Publicado em 24 de setembro de 2020 às 15:06

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20/12/2013 - Militares brasileiros durante missão de paz no Haiti
Militares brasileiros durante missão de paz no Haiti no ano de 2013. (Sargento Mache/Exército Brasileiro)

O orçamento para a participação do Brasil em operações de paz das Nações Unidas ao redor do mundo vai atingir, em 2021, seu menor patamar histórico, depois de sofrer uma queda de 70% em relação à verba deste ano.

Mais do que cifras, a redução pode indicar o fim de uma era de participações brasileiras com papel de protagonismo.

O valor destinado para missões de paz soma R$ 24,7 milhões em 2021, sendo R$ 18 milhões, ou 73%, ainda dependentes de crédito extraordinário que precisa ser autorizado pelo Congresso.

Neste ano, foram R$ 82,3 milhões (após correção pela inflação), com R$ 31,2 milhões (38%) condicionados ao aval dos congressistas.

Como comparação, em 2013 –primeiro ano da série histórica do Siop (Sistema de Planejamento e Orçamento), do Ministério da Economia–, o país chegou a aportar R$ 480,9 milhões nessas operações (os valores foram atualizados pela inflação).

Desde então, os recursos vêm caindo, mas nada comparado à queda de 70% planejada para o próximo ano.

O Ministério da Defesa afirma que a redução se deve à saída das tropas brasileiras da Unifil (Força Interina das Nações Unidas para o Líbano), que se dará em dezembro.

O país atua no Oriente Médio desde 2011 e mantém um contingente de 223 militares da Marinha e uma fragata. Além disso, um almirante brasileiro é o comandante da força-tarefa marítima da missão.

"O Brasil decidiu se retirar da missão, porque ela exige um esforço logístico muito forte. As fragatas brasileiras têm mais de 40 anos, demandam gastos e tempo maiores com manutenção. Então, avaliou-se que seria melhor deixar a missão e priorizar ações no nosso entorno estratégico", afirma o vice-almirante Carlos Chagas Vianna Braga, porta-voz do Ministério da Defesa.

Entre essas ações no entorno estratégico, ele lembrou a preocupação da Marinha com o aumento da pirataria no Golfo da Guiné, no continente africano.

A Defesa afirma que a redução no orçamento não significa o fim do engajamento brasileiro em missões de paz. "Não existe uma decisão política contra a participação nessas missões. O Brasil continua muito focado em operações de paz", diz.

Por outro lado, o ano de 2021 vai marcar a primeira vez desde 2004 que o Brasil não terá uma participação considerada robusta em missões de paz das Nações Unidas.

Além do Líbano, o país atuou por 13 anos na Minustah (Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti) e manteve nesse período o comando do componente militar da missão.

Os militares brasileiros ressaltam a oportunidade de colocar a tropa em ação, o aprendizado com a logística para abastecer os batalhões e a projeção internacional.

"Isso exige um orçamento mais volumoso, por causa do preparo e emprego, por causa da logística", diz a advogada Eduarda Hamann, doutora em relações internacionais e especialista em operações de paz.

"A partir de janeiro de 2021, porque não há previsão para termos tropas no exterior, a nossa participação em operações de paz vai diminuir de maneira considerável, e isso estará necessariamente refletido no orçamento."

A reduzida verba para missões de paz chama a atenção quando se leva em consideração que o Ministério da Defesa foi um dos poucos da Esplanada a escapar dos cortes no orçamento previsto para ser executado no próximo ano.

Especialistas ouvidos pela reportagem apontam para uma mudança de foco da atuação das Forças Armadas brasileiras.

"A Política Nacional de Defesa e a Estratégia Nacional de Defesa, divulgadas recentemente, demonstram essa dinâmica, visto que o foco posto em possíveis tensões na região sul-americana tem sido usado como argumento para justificar a nova expansão de recursos orçamentários na área de defesa", afirma Tadeu Morato Maciel, professor da UFF (Universidade Federal Fluminense) e especialista em missões de paz.

"Os militares foram bastante beneficiados pela participação em missões de paz nos últimos anos, mas o atendimento de seus interesses atuais não prescinde mais da atuação nesse tipo de operação", completa, acrescentando que as reavaliações da PND e da END levaram bastante em consideração as experiências em campo nas missões de paz.

Aliado a esse fator, há também uma revisão da atuação do país no exterior que se insere dentro da política do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de se alinhar com o discurso do seu par americano, Donald Trump, contra o que chama de globalismo.

As eleições de novembro, nesse contexto, trazem incerteza para a inserção do Brasil no cenário internacional em caso de vitória do democrata Joe Biden, segundo Lucas Pereira Rezende, professor de relações internacionais da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).

"Vai ser um balde de água fria para toda estratégia do presidente Jair Bolsonaro. Haverá problemas para a agenda bilateral, porque Biden, embora pragmático, tem agendas que são caras aos democratas, principalmente ligadas a ambiente e direitos humanos. Ele não seria condescendente com o Bolsonaro, que pode ficar isolado internacionalmente", afirma.

Nesse contexto, o Brasil dá uma reviravolta em sua história de atuação. "O país tinha uma tradição desde o início da era republicana de atuação em mecanismos multilaterais como uma forma de inserção do Brasil. Isso mudou agora substancialmente", afirma.

O professor lembrou da atuação do Brasil na Minustah, para a qual as Forças Armadas brasileiras enviaram mais de 37 mil militares para o país de 2004 a 2017. "Isso foi visto como uma porta de entrada do Brasil nas discussões da alta política", diz.

"Quando o Brasil deixa de participar também de operações de paz, está negando tudo o que fez nos últimos 35 anos, pelo menos. Isso é muito grave, porque se alia a uma série de outras ações internacionais que vêm queimando nosso prestígio internacional", completa Rezende.

Nesse contexto, no entanto, Braga, do Ministério da Defesa, lembrou a criação de uma unidade com instrutores que vai atuar na Monusco (Missão das Nações Unidas de Estabilização na República Democrática do Congo).

Além disso, o Brasil vai continuar mandando observadores militares e oficiais para integrar o estado maior de algumas missões.

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