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O X da Questão da infraestrutura

O X da Questão da infraestrutura

De um lado, uma deficiência notória; do outro, obras que se arrastam. No meio, um país que não consegue avançar. Dois especialistas apontam os caminhos para melhorar a infraestrutura nacional

Publicado em 22 de setembro de 2018 às 22:02

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Cláudio Frischtak e Fernando Marcondes. (Divulgação)

O país precisa de alicerces que assegurem o seu desenvolvimento, mas o nosso déficit em infraestrutura é notório. O ano de 2018 acabou sendo emblemático para esse setor tão carente, com a paralisação do país provocada pela greve dos caminhoneiros, em maio. Ficou ainda mais evidente um problema já posto: a dependência do transporte rodoviário (também deficiente de rodovias mais modernas e seguras). No episódio, sentiu-se na pele a necessidade de uma diversificação de modais. Nesta seção que trata dos temas prioritários para o país e relevantes no debate eleitoral, convidamos dois especialistas em infraestrutura para destrinchar os principais gargalos. São eles Cláudio Frischtak, presidente da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios, sediada no Rio de Janeiro, e Fernando Marcondes, sócio da área de infraestrutura do L.O. Baptista Advogados, em São Paulo. Ambos expõem um panorama dessa carência e apontam os arranjos estruturais essenciais para que o país se torne mais competitivo e retome o crescimento, com mais oportunidades para todos.

Os entrevistados

Cláudio Frischtak é economista, presidente da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios. É doutor em Filosofia pela Universidade de Stanford, mestre em Economia pela Unicamp. Foi economista de indústria e energia do Banco Mundial e professor adjunto da Universidade de Georgetown

Fernando Marcondes é sócio da área de infraestrutura do L.O. Baptista Advogados. É mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É fundador e presidente do Instituto Brasileiro de Direito da Construção (IBDiC). Vice-presidente da Comissão de Infraestrutura da OAB/RJ.

A entrevista

Segundo o Fórum Econômico Mundial, o Brasil está no 73º lugar no ranking de qualidade de infraestrutura. Quais são nossos gargalos mais urgentes? O que deve ser feito para superá-los?

CLÁUDIO FRISCHTAK: A infraestrutura do país está de fato muito aquém das necessidades da população e dos requisitos de competitividade da economia. Numa análise que realizamos para o IPEA (“Desafios da Nação”), mostramos que a defasagem (medida em termos de estoque de capital) é maior em transportes e saneamento. No agregado, há uma brecha de mais de 24% do PIB entre o estoque atual (35,9% do PIB) e o estoque correspondente a uma infraestrutura modernizada (60% do PIB). E que para alcançar o estoque alvo, teríamos de investir 4,15% do PIB por cerca de 20 anos consecutivos. Especificamente em relação a transportes, a relação entre os requisitos anuais de investimento e o que de fato se investiu na média no período 2001-16 foi de 191%; e no caso de saneamento, 146%. Vale enfatizar que não apenas investimos pouco, mas a qualidade do investimento – principalmente do setor público – é muito ruim, espelhada em mais de 7400 obras paralisadas (como demonstramos em trabalho publicado também em 2018 no site do CBIC) e outras tantas caracterizadas por atrasos sistemáticos e custos muito acima dos estimados. Qual a agenda necessária de reformas? O ponto de partida é uma melhor governança dos investimentos em infraestrutura: a instituição de um processo interativo com o setor privado de planejamento de médio e longo prazo; medidas no sentido de dotar o setor de maior segurança jurídica; e a reafirmação das agências com instituições de Estado dotadas de efetiva autonomia decisória e financeira. Ademais, cada segmento tem suas peculiaridades, de modo que é necessário avançar em agendas específicas, inclusive no legado adverso deixado pelo governo Dilma, seja em transportes e seus diferentes modais e propósitos (passageiro ou carga); saneamento, e suas dimensões mais críticas (coleta e tratamento de esgoto); energia elétrica; e telecomunicações.

FERNANDO MARCONDES: Saneamento básico, mobilidade urbana, portos e ferrovia. Investimento público certamente não é a saída, pois o Estado não tem condições de dar conta. Praticamente tudo o que se arrecada é gasto com o funcionamento da máquina pública, restando “nada” para investimentos. A parte que cabe ao Estado, portanto, é criar regras claras, modernas e seguras para que a iniciativa privada se sinta confortável para fazer os investimentos necessários. Dinheiro não falta no mundo. Vontade de investir também não. Se houver segurança jurídica, o investidor estrangeiro vem.

Um estudo da consultoria Oliver Wyman mostra que o Brasil investiu, em média, 2,2% do PIB ao ano em programas de infraestrutura entre 2011 e 2016. Em crise, como é possível ampliar investimentos?

CLÁUDIO FRISCHTAK: Como afirmado, o país desperdiça um grande volume de recursos por conta das conhecidas dificuldades de execução, concentradas no setor público. O resultado é que nem sempre com os custos incorridos entregam-se os benefícios prometidos em termos de qualidade de serviços. O investimento em infraestrutura necessita ser uma política de Estado; uma política que reconheça as obrigações do Estado, no âmbito do planejamento e regulação, e suas limitações no plano do financiamento e da execução. E, inversamente, uma política voltada a mobilizar o potencial de contribuição do setor privado – sem subsídios ou artificialismos. Ainda que os investimentos públicos permaneçam necessários, e para tanto as reformas fiscais no setor público são essenciais, o envolvimento do setor privado se tornou imprescindível, mas não somente por conta da crise fiscal.

FERNANDO MARCONDES: O investimento virá de fora, o financiamento, idem. O que o futuro governo precisa fazer é criar o ambiente de negócios necessário para que isso ocorra.

A greve dos caminhoneiros expôs o atraso da nossa malha de transporte. Sabe-se que somos carentes de outros modais, conhecemos o problema, mas qual é o caminho para começar enfim a superar essa dependência?

CLÁUDIO FRISCHTAK: Vale inicialmente enfatizar que tabelar os preços foi um erro, não apenas por que vai contra a lógica econômica e - como já vimos no passado -, é ineficaz. Para os próprios caminhoneiros, é uma medida ruim, pois afugenta os clientes e gera enorme insegurança jurídica. Da mesma forma, controlar o preço dos combustíveis é um erro, e maior ainda usando recursos públicos escassos. Enfrentar o problema requer um programa que melhore a qualidade e a segurança das rodovias, inclusive com concessões simplificadas voltadas para a manutenção das estradas e investimentos nas áreas críticas. É imprescindível mapear todas as rodovias passíveis de fazerem parte de um programa dessa natureza. No médio e logo prazo é essencial reequilibrar a matriz de transportes, com ênfase maior em ferrovias, dutovias, cabotagem e hidrovias, tanto pelos ganhos econômicos quanto ambientais com o uso mais racional e eficiente dos modais. No caso específico de ferrovias, há um caminho aberto para promover os investimentos: primeiro, acelerar a renovação e extensão das concessões, com contrapartida de novos investimentos, principalmente na ampliação da malha atual em projetos que tragam os maiores retornos para o país; segundo, licitar as ferrovias Norte-Sul, FIOL e outras que gerem efetivo interesse privado; e terceiro, com base na aprovação de um projeto em curso no Senado, promover os investimentos privados nas chamadas “short lines” ou trechos ferroviários, e num regime de autorização e maior liberdade tarifária, na medida em que essas linhas concorrem com as rodovias e outros modais.

FERNANDO MARCONDES: O modal mais adiantado no momento é o de aeroportos. Os principais já foram concedidos e, ainda que com alguns problemas, estão passando por reformas e se modernizando. Também está adiantado o processo de concessão de licenças para aeroportos executivos espalhados pelo país. Os portos privados começam a ser construídos, mas a necessidade é muito maior do que os projetos que estão em andamento. Há muito o que fazer nessa área e, para isso, o governo precisa melhorar a regulamentação. Quanto às ferrovias, a prorrogação das atuais concessões são, a meu ver, a perpetuação de um oligopólio que precisa acabar. Não haverá investimentos maciços (que são urgentes) se não houver abertura desse mercado.

Por que o modelo de concessões para a melhoria e a conservação das rodovias ainda não conseguiu dar o retorno que era esperado?

CLÁUDIO FRISCHTAK: O modelo de concessões tradicional teve avanços significativos, mas estagnou no âmbito federal. Vários Estados, contudo, ampliaram seu escopo de ação nessa área. Talvez o mais bem sucedido tenha sido São Paulo, que atraiu grandes operadores assim como fundos de investimento, evitando dessa forma o conflito de interesse observado nas licitações federais - principalmente na terceira etapa – entre empreiteiro e operador. Há um espaço significativo para se avançar em modelagens melhores, que venham a conferir maior eficiência econômica aos serviços com maior flexibilidade de precificação. Ao mesmo tempo, é fundamental que a regulação e fiscalização seja reforçada, evitando a percepção de que o consumidor paga pelos eventuais erros do concessionário.

FERNANDO MARCONDES: A queda na atividade industrial, o preço dos combustíveis e outros fatores decorrentes da crise derrubaram o movimento geral do país, inclusive das rodovias. Menos movimento é igual a menor arrecadação nos pedágios e, portanto, comprometimento dos planos de negócios que basearam as propostas feitas nos leilões. Outro fator é a redução do tamanho das construtoras que, em grande parte, compõem os consórcios que se formaram para administrar as concessões. A revisão das concessões, a entrega de algumas delas e a relicitação são, a meu ver, as opções mais adequadas para retomar um bom caminho.

A Lava Jato expôs as relações espúrias entre o poder político e o econômico na condução de importantes obras públicas. O país precisa de investimentos em infraestrutura, mas como abrir um novo canteiro de obras de forma mais transparente e ética?

CLÁUDIO FRISCHTAK: A Lava Jato e operações correlatas representaram para o país um grande avanço civilizatório, e o processo de investigação em curso pelos Ministérios Públicos deve prosseguir, enquanto que cabe ao sistema de justiça garantir que culpados não permaneçam impunes. Há avanços notórios, inclusive e particularmente entre as grandes empreiteiras, como iniciativas no sentido de maior transparência, aderência a padrões elevados de conformidade e intolerância com o uso de propina e outros meios para obter contratos com os governos. Uma iniciativa relevante da sociedade civil e que promete ter impacto significativo nas licitações públicas – o Observ – tem por objetivo monitorar as licitações públicas e identificar não conformidades. O maior desafio permanece sendo as licitações em instâncias subnacionais, particularmente municípios, pela proximidade de agentes públicos e privados.

FERNANDO MARCONDES: As empresas que se viram envolvidas na Lava Jato estão se reinventando. As diretorias foram trocadas e programas de compliance e governança vêm sendo implementados. As “pessoas jurídicas” precisam ser preservadas. O acervo técnico que essas empresas possuem é um patrimônio nacional e não pode se perder. Quanto à transparência, ela precisa ser uma via de mão dupla. Enquanto o Estado não dispuser de regras que incentivem a transparência, haverá espaço para conluios.

 

O PAC foi exaltado como o maior esforço conjunto de infraestrutura desde a redemocratização; muito foi prometido, mas pouco foi concretizado. O país sofre há tempos com atrasos ou obras não concluídas. O que precisa mudar na legislação para dar mais agilidade às obras públicas? A Lei de Licitações (8666/93) está desatualizada?

CLÁUDIO FRISCHTAK: O PAC I (2007-10) pode ser caracterizado como um desastre; e o PAC II (2011-14) foi gerido um pouco melhor, mas no conjunto o desperdício de recursos foi enorme. Realizamos um trabalho de análise desses programas, e não resta dúvida de que erros de governança e gestão assolaram os PACs. No âmbito da governança, a questão central foi o imperativo eleitoral que moveu os programas e condicionou a qualidade dos projetos e a integridade de sua execução. Na realidade, muitos projetos foram iniciados sem os elementos mínimos para darem partida: ao menos um projeto básico, quiçá conceitual. No âmbito da gestão, o PAC I nasceu sob o conceito que o Estado deveria estar à frente dos projetos, sem considerar as falhas maciças de Estado na identificação, elaboração e execução deles. Nesta perspectiva, resta pouca dúvida da importância de rever a lei das licitações, inclusive pela importância de se levar explicitamente em consideração a qualidade e integridade dos projetos (conceitual, básico e executivo), e de se abreviar os ritos e reduzir/evitar a judicialização do processo, com o uso de instrumentos de dirimir conflitos sem envolver diretamente o judiciário.

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FERNANDO MARCONDES: Má gestão pública, corrupção, regras pouco claras e falta de confiança nos compromissos assumidos pelo Estado estão na raiz do fracasso do PAC e de todas as tentativas malogradas. A Lei das PPIs (13.334/2016), se for implementada, trará boas soluções. A modernização da Lei 8.666/93 (que está sendo feita) poderá igualmente contribuir para a maior transparência, agilidade e eficácia das iniciativas do setor.

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