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Ibama acusa Petrobras de fraude ambiental

Ibama acusa Petrobras de fraude ambiental

Relatório aponta que teor de óleo e graxa jogado no oceano é até 1.925% superior ao informado

Publicado em 5 de fevereiro de 2018 às 10:29

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Bacia de Campos. (Reprodução/Petrobras)

Relatórios técnicos do Ibama e da Polícia Federal afirmam que a Petrobras forneceu dados falsos para a análise de contaminação de águas, fraudando o real impacto ambiental provocado por sua atividade de exploração marítima de petróleo, as chamadas operações offshore. De acordo com o parecer técnico 43/2017 do Ibama, obtido com exclusividade pelo GLOBO por meio da lei de acesso à informação, a empresa subavalia a quantidade de óleos e graxas despejados no oceano por plataformas como a P-51, localizada na bacia de Campos, no Norte do litoral fluminense.

“A totalidade dos resultados reais apresentou valores bem acima do limite máximo diário permitido, chegando o resultado real a ser 1.925% maior do que o resultado falso informado”, diz o relatório, de junho 2017. Essas informações foram levantadas durante a operação Ouro Negro, deflagrada pelo Ministério Público do Trabalho no início daquele ano, cujo objetivo era detectar irregularidades nas condições de trabalho. Hoje, elas são alvo de uma investigação em andamento no Ministério Público Federal, no Rio de Janeiro, conduzida pela procuradora Solange Maria Braga, com foco nas irregularidades ambientais. Ainda não houve apresentação de acusação formal, neste caso, a denúncia.

Questionada pela reportagem, a Petrobras informou que usa o mesmo método de medição do teor de óleo e graxa (TOG) na água produzida desde 1986, sempre chancelado pelo órgão ambiental, e que o Ibama mudou seu entendimento sobre como as análises devem ser feitas apenas em 2015. A estatal, ademais, negocia há seis meses um termo de compromisso com o órgão para se adequar às novas regras. O documento tem previsão de assinatura para as próximas semanas e envolverá não só a P-51, mas cerca de 30 plataformas da Bacia de Campos. Com isso, o Ibama planeja regularizar a situação em toda a região em uma média de três anos.

No mesmo documento, o Ibama aponta que a grande quantidade do óleo que não aparece “nos valores sub-informados” pela petroleira está causando “inúmeros episódios de manchas de óleo no mar para ampla gama de plataformas que chegam a atingir dezenas de quilômetros”. Uma imagem de satélite que ilustra o relatório mostra que só a zona contaminada pela P-51 alcança 33,3 quilômetros, quase três vezes a Ponte Rio-Niterói. A legislação brasileira permite que haja uma área de até 500 metros a partir do ponto de descarte.

Os números da plataforma estão 67 vezes acima do valor autorizado pelos órgãos ambientais. Essa zona está contaminada pela chamada água produzida — a água que vem com o petróleo quando ele é extraído do mar e que volta a ser jogada no oceano depois de passar por tratamento. Estudos mostram que ela é um dos poluentes mais significativo da indústria petrolífera, por ser descartada em grande quantidade ainda com produtos como óleo e graxa.

Os resultados “falsos ou enganosos” apresentados pela petroleira pelo menos desde 2008, segundo o relatório, decorrem da utilização “de procedimento analítico interno tendencioso e impróprio em seu laboratório, abrangendo ampla gama de plataformas”. Esse método usa entre seus componentes, como uma espécie de filtro, a sílica-gel, que retira parte dos óleos e graxas do material, fornecendo assim um resultado inferior ao real. O Ibama aponta que, como a cifra é falsa, ela está em desacordo com a resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), órgão que estabelece o padrão de concentração de poluentes que pode existir na água descartada nos oceanos.

METODOLOGIA INADEQUADA

O Conama definiu que a média mensal do teor de óleo e gás contido na água despejada diariamente no oceano não pode superar 29mg por litro. O limite máximo diário é maior, de 42mg, desde que a média mensal não ultrapasse o número definido pelo órgão. As perícias encontraram valores despejados pela Petrobras de até 178mg por litro, que foi 509% maior do que o informado pela análise da empresa. No caso mais discrepante, a Petrobras informou um teor de 8mg por litro, e a perícia encontrou 154mg por litro — uma diferença de 1.925%. As análises foram feitas nos despejos da plataforma P-51 realizados em dezembro de 2016.

No parecer, o Ibama destaca a análise de laboratório feita por um perito da Polícia Federal que constata que o método usado pela petroleira “fornece um resultado inferior ao real conteúdo de óleos e graxas”. O perito afirma que o problema acontece porque o resultado final da análise da Petrobras não considera a quantidade de óleos e graxas que são retidos na sílica-gel. O órgão também consultou a EPA, a agência ambiental dos Estados Unidos, que regula naquele país os parâmetros de contaminação admitidos e métodos de análise. A resposta, anexada ao parecer, também diz que Petrobras usa uma metodologia inadequada.

Há ainda registros recorrentes de animais contaminados com óleo na Bacia de Campos, onde está a P-51 e outras plataformas. Na avaliação do Ibama, esses poluentes são provenientes da grande quantidade de água produzida que vem sendo despejada pela estatal. “A maior parte dos animais contaminados com óleo proveniente de campos da Petrobras foi encontrada em períodos em que não houve relatos de incidente de vazamento por parte da empresa, o que leva a crer que a carga contaminante de óleo provenha de água de produção descartada, fato que demonstra a gravidade dos dados falsos de TOG informados pela empresa, mascarando dados reais elevados, impactando inclusive espécies ameaçadas de extinção”.

As irregularidades identificadas no âmbito da Operação Ouro Negro resultaram em cinco autos de infração aplicados pelo Ibama à Petrobras em um valor total de aproximadamente R$ 15,5 milhões. A petroleira recorreu em quatro deles. No mais alto, porém, de R$ 14,2 milhões, a empresa não apresentou recurso e não há registros de pagamento junto ao Ibama.

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“A partir da constatação de manchas de óleo no mar, o Instituto iniciou investigação técnica e verificou que a Petrobras estava adotando o método SM5520F na P-51. A autarquia entende que o método a ser adotado nas plataformas é o SM5520B” (que não usa sílica-gel). O Ibama afirmou que está discutindo com a Petrobras um termo de compromisso com aperfeiçoamentos no sistema de água de produção de um conjunto de plataformas na Bacia de Campos.

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