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'Primos' do vírus da zika também podem causar microcefalia

'Primos' do vírus da zika também podem causar microcefalia

Quatro deles, da família flavivírus, atravessaram a placenta e atingiram o cérebro do feto

Publicado em 31 de janeiro de 2018 às 21:36

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Vírus da zika é investigado por causar diferentes malformações durante a gravidez, entre elas a microcefalia. (Divulgação | Santa Casa de Misericórdia do Pará)

Sabe-se, desde a epidemia de zika em 2015, que o vírus é capaz de atravessar a placenta de mulheres grávidas e causar deformidades no feto, incluindo a microcefalia, má-formação em que o bebê tem o desenvolvimento cerebral interrompido, nascendo com a cabeça menor do que o normal. Agora, porém, pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, constataram que "primos" do vírus da zika, da família flavivírus, também podem gerar essas deformidades congênitas. Segundo o estudo, publicado nesta quarta-feira na "Science Translational Medicine", os mais perigosos são o vírus do Oeste do Nilo e o vírus Powassan.

A pesquisa analisou a atuação de quatro vírus em camundongos grávidas: o chicungunha, o vírus Mayaro, o do Oeste do Nilo e o Powassan. Todos são flavivírus e têm características estruturais muito semelhantes ao vírus da zika. A conclusão da análise foi que, embora todos os quatro tenham atravessado a placenta e se replicado dentro do cérebro fetal, somente o vírus do Oeste do Nilo e o vírus Powassan causaram a morte do feto.

Essa descoberta acende um alerta: é possível que parte dos casos de deformidades congênitas, incluindo microcefalias, atribuídos hoje à zika sejam, na verdade, causados por vírus "parentes".

O próprio histórico da zika indica isso: embora o vírus tenha sido identificado pela primeira vez há mais de 70 anos, sua capacidade de provocar má-formações congênitas não foi observada até a epidemia que atingiu a América do Sul, em especial o Brasil, em 2015. Questionado pelo GLOBO se é possível, então, que no caso de alguma epidemia desses outros vírus, vejamos o nascimento de bebês gravemente afetados por eles, o americano Jonathan Miner, um dos autores do estudo, afirma que sim.

"Pensamos, sim, que é muito possível que outros vírus tenham a mesma capacidade do vírus da zika", diz ele, que é pesquisador do Departamento de Microbiologia Molecular da Universidade de Washington.

No estudo, tanto o vírus do Oeste do Nilo quanto o Powassan se mostraram capazes de, além de atingir fetos de camundongos, replicar suas células virais em amostras de tecidos maternos e fetais de doadores humanos. As gestantes que doaram seus tecidos para a pesquisa eram saudáveis e estavam no segundo trimestre de gravidez, quando acredita-se que é maior o risco de infecções virais.

Com base em suas descobertas, os autores especulam que as infecções por flavivírus em geral podem causar complicações da gravidez com mais frequência do que se acreditava até então.

"A ligação entre a infecção por vírus da zika e a microcefalia em seres humanos já foi estabelecida claramente. Mas o vírus da zika pode não ser único a causar isso, e é plausível que o vírus do Nilo Ocidental, por exemplo, também possa causar microcefalia. Um estudo anterior identificou dois casos de microcefalia em bebês nascidos de mulheres que tiveram infecção pelo vírus do Nilo Ocidental na gravidez, mas este estudo foi muito pequeno para tirar conclusões claras para estabelecer uma relação de causa e efeito. No futuro, estudos maiores podem ajudar a determinar isso", destaca Miner. "Ainda não sabemos o que esperar nos seres humanos. Os dados humanos permanecem muito limitados, em parte porque as infecções por esses vírus ocorreram, até agora, mais esporadicamente. Estudos epidemiológicos maiores são necessários para definir melhor o que ocorre em pacientes humanos".

Jonathan Miner ressalta que, apesar de o estudo mostrar um resultado intrigante, não existem ainda dados determinantes para concluir, sem dúvidas, que esses outros flavivírus levem a anomalias em bebês.

"Nossas descobertas provavelmente alertarão para que médicos e novos estudos levem em consideração a possível associação entre outros tipos de infecções por flavivírus e deformidades congênitas ou abortos espontâneos", avalia o pesquisador.

ONDE SÃO ENCONTRADOS ESSES VÍRUS

Dos vírus analisados na pesquisa, o mais conhecido dos brasileiros é o chicungunha. A estimativa é de que haja, no máximo, 150 mil casos por ano no país. O principal sintoma é dor nas articulações. Na literatura médica, consta que um percentual pequeno de doentes pode sofrer com essas dores por anos.

Comum em diversos países do hemisfério norte, o vírus do Oeste do Nilo chegou ao Brasil nos últimos anos, mas sem gerar muitos casos. Em 2011, foram encontradas, pela primeira vez, evidências da circulação do vírus no país, e, na época, pesquisadores da Fiocruz identificaram anticorpos para o vírus no sangue de cavalos do Pantanal do Mato Grosso do Sul. Isso indica que, em algum momento, estes animais tiveram contato com o vírus. Apenas em 2014 foi detectado o primeiro caso clínico de febre do Oeste do Nilo em humanos no país, no estado do Piauí.

Já o vírus Powassan, transmitido por carrapatos, ocorre basicamente em regiões rurais da América do Norte e da Rússia. No Brasil, esse vírus não existe. De qualquer forma, a infecçao de humanos é rara.

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Por fim, o vírus Marayo foi identificado pela primeira vez em 1954 e é encontrado, principalmente, em regiões silvestres aos redores da Região Amazônica. No entanto, se antes ele era transmitido apenas por mosquitos silvestres, agora registros recentes indicam que ele pode estar sendo transmitido por mosquitos urbanos que já estão espalhados pelo mundo: o Aedes aegypti, principalmente, e o Aedes albopictus. Se isso se confirmar, há muitas razões para preocupação, uma vez que o Aedes está fortemente presente em todo o território brasileiro. Este vírus provoca uma doença semelhante à chicungunha, chamada Febre do Mayaro.

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