A simplificação dos atuais tempos demarca visões cartesianas, espetáculos pirotécnicos, surgimento de “heróis” e a busca por soluções rápidas para a insegurança e a criminalidade.
Retroagindo 35 anos, o estudioso coronel Jorge da Silva (in memorian) afirmava que "tentar medir a eficácia da polícia pelos índices de criminalidade é procedimento inútil, pois as variáveis que interferem na alteração desses índices são múltiplas e fogem do controle da polícia – e às vezes do próprio poder público".
Para o Dr. Luiz Eduardo Soares, “não faz sentido imaginar que seria possível identificar apenas uma causa para o universo heterogêneo da criminalidade”. O crime, portanto, é composto por inúmeras variáveis.
O Dr. Marcos Rolim pontuava que "os critérios para se medir a eficiência do trabalho desenvolvido pelas polícias dentro do modelo reativo [...] indicam [...] uma dimensão surpreendente de insucesso". Estariam todos esses estudiosos equivocados e a reatividade policial associada ao espetáculo midiático traria algum resultado duradouro?
Os chamados “black spots” ou áreas negadas ao Estado não aparecem nas planilhas, assim como as subnotificações e intimidações às comunidades afetadas. A análise criminal quantitativa não representa a integral realidade de um determinado território. Basta ouvir o silêncio de quem reside e trabalha lá.
As estratégias são pontuais, saturações efêmeras não mantêm o profissional por tempo permanente nas localidades e o aparente "choque de ordem" sintetizam remédios de curtíssima duração. Apropriações políticas equivocadas simplificam o problema para assunto meramente policial.
Os espetáculos se acentuam quando meliantes são presos. E depois? Rodrigo Pimentel, ex-integrante do Bobe da PM do RJ menciona que após as prisões de traficantes perigosos, nada muda, apenas incentivam um modelo ilusório coletivo. Remédios episódicos e voláteis.
O atual sistema de segurança pública brasileiro nos remete à inglória corrida do coelho de Alice. A conta sai cara: o policial predominantemente processado, adoecido em função das longas jornadas de trabalho e dos impactos oriundos dos diversos enfrentamentos.
As estratégias de policiamento comunitário já adotadas com pleno sucesso foram enterradas. O sistema criminal ineficaz obrigou a polícia fazer mais do mesmo, remando sua embarcação para águas mais turbulentas.
A crítica à polícia pelo aumento da criminalidade é um tênue véu que esconde um abismo mais profundo do que imaginamos. O teatro gera “salvadores da pátria” e “discursos reativos”. Porém, a realidade é bem mais complexa e envolve inúmeros outros atores que devem caminhar entrosados e comedidos.
Jorge da Silva nos brinda. "Diante da complexidade, a fuga. E mais uma vez a simplificação: o crime é problema da polícia". Fugimos ao conceber que o desespero acolhe remédios midiáticos para “curar” feridas profundas e abandonamos o gradualismo intersetorial. Sempre é hora de despertar!
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