O bom governante não deve estimular o ódio com retórica populista

A ideia é que as pessoas se tornem fanáticos crédulos e ignorantes e que nelas predominem o medo e o ódio

Publicado em 02/08/2019 às 23h08

Faces de um político

Gustavo Senna*

No preâmbulo da nossa Constituição está escrito que fica instituído no Brasil o “Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida com a solução pacífica das controvérsias.” Essa simples passagem já seria suficiente para extrair seus fundamentos e os objetivos estratégicos.

A Constituição, com todas as letras, disse um não à desigualdade, à intolerância, ao ódio, à violência e a todas as formas de regimes antidemocráticos. Ela estimula a solução pacífica de conflitos e as práticas de um bom governo. Um governo sem privilégios e favores medievais, como o familismo. Um bom governo que deveria ser formado por pessoas que não intrigam para obter o poder, pois essa é uma categoria que deveria ser excluída da lista dos que são aptos a governar.

Um bom governo jamais pode entender que a igualdade é apenas “o doce sonho angelical dos imbecis e das almas sensíveis”; que os direitos humanos são uma ilusão e uma defesa de “bandidos”; que a defesa do meio ambiente é um estorvo para o desenvolvimento; que a sociedade democrática é uma pintura fantasiosa.

Comportamentos como os descritos são uma degeneração da democracia, especialmente quando concentra seus esforços para que pequenos grupos oligárquicos reinem, aumentando ainda mais o abismo social imperante em terras brasileiras.

Não bastasse isso, um bom governante jamais poderia estimular o ódio e a violência entre os cidadãos, por meio de retóricas populistas, transformando muitos brasileiros de Homo Sapiens em Homer Simpson, idiotizados que a tudo aplaudem, como dóceis ovelhas a seguir o rebanho. É o que Rancière chama de “governo pastoral”. Ovelhas que estão sendo alimentadas de ódio em relação ao “outro” que pensa diferente. Por isso, lembrando Schopenhauer, “a única alegria do rebanho é quando o lobo come a ovelha do lado.”

Incrível o que estamos a assistir. Um retorno ao passado, no qual até mesmo se resgatou o discurso retórico estratégico da “Guerra Fria” para turbinar o ódio, pois os “outros” que criticam são “comunistas” inimigos do “desenvolvimento”. A ideia é que as pessoas se tornem fanáticos crédulos e ignorantes e que nelas predominem sentimentos como o medo e o ódio. Cegos que mesmo vendo, não podem ver (Saramago). E assim, transforma a república brasileira em República do Ódio.

*O autor é professor da FDV

A Gazeta integra o

Saiba mais

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.