Nosso reflexo no espelho

O cidadão que busca levar vantagem em tudo, com o "jeitinho brasileiro", ao olhar para o espelho enxergará a imagem de agentes públicos que sangram o país

Publicado em 30/11/2017 às 19h50
Atualizado em 28/02/2020 às 21h31

Os meios de comunicação repetem diariamente notícias que revelam como a administração pública brasileira está tomada pela corrupção. São desvios de toda ordem e, a cada dia, novos personagens corruptos (alguns não tão novos assim) são apresentados ao país. Ao analisar essa epidemia que solapa as riquezas do povo brasileiro, resta relevante tecer uma reflexão: por que há tanta corrupção no Brasil? A culpa é exclusiva dos agentes públicos (e dos corruptores) que buscam ganhos fáceis às custas do sofrimento de toda a sociedade? Penso que não.

A sociedade brasileira vivencia uma inegável crise ética. Egoísmo, autocentrismo, patrimonialismo e ausência total de alteridade são características indeléveis de nossa sociedade. O meu problema é sempre maior do que o problema alheio; a minha pressa é sempre maior do que pressa alheia e, em razão disso, me permito não respeitar as mais básicas regras de convivência social. Por que obedecer às leis de trânsito? Por que não furar a fila? Por que não apresentar atestado médico falso? Por que não falsificar carteira de estudante? Por que corrigir o garçom quando recebo uma conta errada? Por que alertar ao professor quando a soma da minha nota estiver equivocada?

Pessoas comuns com comportamentos dessa natureza, certamente, se tiverem a oportunidade de atuarem como gestores de contratações estatais irão desviar recursos públicos. A premissa é a mesma. Ética é como gravidez: não existe mulher “meio” grávida e não pode existir cidadão “meio” ético. Ou se é ou não se é ético.

Esse cidadão que vive sempre buscando levar vantagem em tudo, em sintonia com o famoso “jeitinho brasileiro”, ao olhar para o espelho inegavelmente enxergará a imagem daqueles agentes públicos que sangram o país. Boa parte de nossos agentes públicos somente está preocupada com a satisfação dos próprios interesses pois essa é a mensagem que lhes é passada pela sociedade. Essa relação é cíclica e se retroalimenta.

Enquanto não percebermos que esses “inocentes” desvios comportamentais são alimento para a ausência de ética e alteridade em toda a sociedade, estaremos fadados a acompanhar, diariamente, novas notícias sobre desvios de conduta na administração pública brasileira. A mudança que esperamos e precisamos não virá de Brasília. A mudança deve partir de cada um de nós. A mudança é contra majoritária e precisa começar de baixo para cima.

Devemos educar nossos filhos a partir de premissas e, sobretudo, de exemplos positivos pautados na ética, para que as próximas gerações ao menos tentem mudar o paradigma atual. A geração presente se mostrou incapaz de transformar o Brasil em um país melhor. Oxalá nossos filhos e netos consigam aquilo que não tivemos competência para fazer: um país com mais justo e ético.

 

*O autor é promotor de Justiça e mestre em Direito

 

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